Um médico é vítima de violência enquanto trabalha em um estabelecimento de saúde no Brasil a cada três horas. Isto é o que revela levantamento inédito feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) com base na quantidade de boletins de ocorrência (BOs) registrados nas delegacias de Polícia Civil dos estados brasileiros e do Distrito Federal entre 2013 e 2024. Os dados mostram que a situação fica cada vez mais fora de controle, uma vez que o volume de queixas vem aumentando ano após ano. O recorde foi batido em 2023, mas os dados completos de 2024 somente serão conhecidos ano que vem.
Desde 2013, o CFM apurou que foram contabilizados 38 mil boletins de ocorrência em que médicos foram vítimas de ameaça, injúria, desacato, lesão corporal, difamação, entre outros crimes, dentro de unidades de saúde, hospitais, consultórios, clínicas, prontos-socorros, laboratórios e outros espaços semelhantes. Cerca de 47% dos registros foram contra mulheres.
A distribuição de ocorrências entre capital (sem considerar região metropolitana) e interior mostra que 66% dos casos ocorreram no interior. De acordo com os dados levantados pelo CFM, os autores dos atos violentos são, em grande parte, pacientes, familiares dos atendidos e desconhecidos. Há ainda casos minoritários de ameaça, injúria e até lesão corporal cometidos por colegas de trabalho, incluindo enfermeiros, técnicos, servidores e outros profissionais da saúde.
Estados mais violentos
São Paulo, que tem o maior número de registros médicos do Brasil (26% do total), registrou praticamente a metade dos casos de violência existentes, em termos absolutos. Foram 18 mil dos 38 mil registrados.
O Paraná, que aparece como o quinto estado com a maior quantidade de médicos, aparece em segundo lugar no ranking da violência contra profissionais saúde em estabelecimentos de saúde. Foram registrados, pelo menos, 3,9 mil casos de ameaça, assédio, lesão corporal, vias de fato, injúria, calúnia, difamação, desacato e perturbação do trabalho contra médicos na unidade da Federação entre 2013 e 2024 – a maior parte se refere à lesão corporal. Curitiba concentra 12% dos registros.
Em terceiro lugar está Minas Gerais. Se considerada a quantidade média de boletins de ocorrência registrados na série histórica de 2013 a 2023, pelo número de registros de médicos nos estados, Amapá, Roraima e Amazonas são as unidades da Federação com mais registros de violência contra os profissionais. Pelos cálculos do Conselho Federal de Medicina, a cada mil registros de médicos no Amapá, 39 casos de violência foram registrados. Em Roraima, foram 26 BOs para cada mil registros médicos, enquanto no Amazonas foram 24.
Já na outra ponta, considerando os estados que detalharam com precisão a quantidade de médicos vítimas de violência em unidades de saúde, aparecem Espírito Santo, com dois registros de BO por mil registros de médicos; Goiás, com quatro registros; e Paraíba, com 4,9.
A necessidade de medidas urgentes para prevenir e combater a violência
Para o presidente do CFM, José Hiran Gallo, o número de casos de violência contra médicos em estabelecimentos de saúde, especialmente públicos, causa perplexidade e exige dos gestores do SUS e da área de segurança pública – em todas as instâncias (municipal, estadual e federal) – a adoção urgente de medidas efetivas para prevenir e combater a violência em todas as suas formas de manifestação, sob pena de responsabilização de negligência com relação a situações desse tipo.
“O Conselho Federal de Medicina apela por providências urgentes contra esses abusos. Os profissionais carecem de segurança física dentro das unidades. Não é apenas o patrimônio que precisa de cuidados. A garantia de condições para o exercício da atividade médica, dentre os quais a oferta de espaço seguro, é imprescindível, assim como o acesso dos pacientes ao direito fundamental à saúde, tanto na rede pública quanto na rede privada”, alertou.
O que fazer
Desde pelo menos 2018, por meio de ações em seu site e redes sociais, o CFM tem orientado os médicos brasileiros sobre como agir diante episódios de ameaças ou agressões. O CFM entende que é preciso conscientizar o profissional a não ficar calado e denunciar os abusos. Em caso de ameaça, o médico deve registrar ocorrência na delegacia mais próxima ou online; informar, por escrito, às diretorias clínica e técnica da unidade hospitalar sobre o ocorrido; e apresentar dados dos envolvidos e testemunhas. Ele deve encaminhar o paciente a outro colega, se não for caso de urgência e emergência. Se a ocorrência envolver agressão física, o CFM indica o seguinte: comparecer à delegacia mais próxima e registrar o BO (haverá necessidade de exame do corpo de delito); apresentar dados dos envolvidos na agressão e de testemunhas; comunicar o fato imediatamente às diretorias clínica e técnica da unidade hospitalar para que seja providenciado outro médico para assumir suas atividades.
Metodologia
Os dados foram coletados pelo CFM junto às Polícias Civis das 27 unidades da Federação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Foram solicitadas informações do período entre 2013 e 2024 sobre a quantidade de boletins de ocorrência registrados nas Polícias Civis, com detalhes sobre o tipo de violência cometido, onde (hospital, clínica, consultório, posto de saúde, etc.), perfil da vítima (sexo e idade), entre outros itens.
Portal CFM