Com o ataque registrado nesta segunda-feira (19) no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (Paraná), 2023 se torna o ano em que mais ataques em escolas foram registrados no Brasil, de acordo com um estudo inédito realizado pelo Instituto Sou da Paz.
Sete tragédias do tipo foram documentadas até então somente no primeiro semestre de 2023, superando as taxas contabilizadas durante todo o ano passado. O cenário se agravou a partir de 2019, com alta de casos ano após ano.
O “Raio-X de 20 Anos de Ataques a Escolas no Brasil”, divulgado nesta segunda-feira (19), resgata desde o ataque contra o Colégio Sigma, ocorrido em 2002 em Salvador (Bahia), até a tragédia que matou quatro crianças na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau.
Nas duas décadas, 24 ataques em escolas ocorreram no Brasil. Eles atingiram 25 instituições e deixaram ao todo 137 vítimas fatais e não fatais. Santa Catarina já testemunhou dois casos, registrados em Saudades e Blumenau, nos anos de 2021 e 2023, respectivamente. Os ataque vitimaram 6 crianças.
A tragédia em Cambé ocorreu no dia da divulgação do estudo. Uma estudante foi morta a tiros depois que um ex-aluno entrou armado na instituição, conforme o governo do Paraná. O agressor acessou a escola com a desculpa de que solicitaria o seu histórico escolar.
O estudo realiza uma série de análises sobre este tipo de crime: o número de casos por Estado, a quantidades de ocorrência ano, os tipos de armas utilizadas, incidência por mês, faixa etária e perfil dos criminosos. Por fim, os pesquisadores sinalizam medidas para contornar o problema.
Mês de abril e ‘efeito contágio’
Ao analisar a distribuição dos casos por mês, os pesquisadores destacam “que um quarto das ocorrências costuma ocorrer nos meses de abril, o que aponta para um diálogo dos autores com casos de grande repercussão e que são cultuados em grupos de extrema-direita que celebram ataques”.
Foi no quarto mês do ano em que ocorreram os massacres de Columbine, nos Estados Unidos, e de Realengo, no Rio de Janeiro – inspirado no caso estadunidense. Os autores do crime detinham materiais sobre as chacinas e as mencionaram durante a prisão. “Efeito contágio” é o nome dado pelos especialistas.
As instituições públicas são as mais atingidas pelos crimes, concentrando 19 casos, o que representa 76% de todos os ataques registrados. As escolas particulares registraram seis casos (24%).
Agressores têm em média 16 anos e “perfil estético”
Sobre as características dos autores dos crimes, o Instituto Sou da Paz constata que todos os ataques em escolas foram provocados por homens, o que reforça “um fenômeno ligado ao universo masculino, não só no Brasil como ao redor do mundo”.
Há uma “imitação estética” recorrente no grupo. Os criminosos costumam usar roupas pretas, casacos tipo sobretudo, botas e coturnos militares, e, em pelo menos cinco casos, a mesma máscara de caveira, símbolo utilizado por vários grupos neonazistas, destaca a pesquisa.
A idade média dos agressores é de 16 anos, sendo o mais novo um menino de 10 anos (São Caetano do Sul-SP) e o mais velhos de 25 anos – idade do autor do ataque contra a creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, no Vale do Itajaí.
Eles são “adolescentes brancos e heterossexuais, e a misoginia exerce um papel crucial no processo. Frustração sexual e raiva do mundo, dentre outros processos típicos da adolescência”, destaca a pesquisa, que também reúne estudos sobre o perfil psicológico do grupo.
Os sentimentos “são mobilizados em espaços de discussão online onde muitos desses jovens se reúnem para desabafar ditas frustrações e confraternizar. Não à toa, mulheres são alvos frequentes de atiradores em massa”, destaca a pesquisa.
Armas de fogo foram utilizadas em 46% dos casos
Em quase metade dos casos (46%) registrados no Brasil os ataques ocorreram mediante uso de arma de fogo. Nestas ocorrências o número de vítima foi cerca de três vezes maior.
De todas as pistolas, revólver e demais armas de fogo utilizadas, 60% foram obtidas dentro da própria casa do agressor. As armas pertenciam ao pai, mãe ou algum outro parente. Além disso, 60% possuía registro legal identificado.
Recomendações
Para os pesquisadores, é necessário a corresponsabilização das plataformas digitais diante dos ataques. Segundo eles “diversos dos casos de ataque têm evidências de um processo de radicalização de jovens usuários de plataformas digitais”.
Dentre as recomendações, também sugerem o “estabelecimento de programas específicos para os alunos com o intuito de que crianças e jovens sejam estimulados a entender e lidar com suas emoções, frustrações, respeitar a diversidade e desenvolver uma boa convivência”.
Também apontam a necessidade de ações como o treinamento de professores e funcionários para identificarem sinais de mudanças de comportamento, mas alertam que esta ação é “pouco efetiva em escolas onde há falta de professores ou grande rotatividadede temporários”.
Portal Tri com informações ND+, com base em estudos Instituto Sou da Paz